Marilyn Monroe adorava cantar. Seu ídolo e grande referência era Ella Fitzgerald. Ela mesma dizia que quando tinha de chegar ao estúdio com uma fala decorada e atuar, ela petrificava, mas quando era para cantar, seu pavor desaparecia por completo. Com a música, ela se sentia à vontade. Acho até meio estranho que Marilyn não tenho feito uma carreira de cantora paralela à dos filmes, já que cantava tão bem. Afinadíssima, não precisava ser dublada em seus números e, mais de 40 anos depois de sua morte, temos na maioria de seus filmes sua voz, sempre valorizada pela Fox(e acredito que tenha sido a única coisa a qual eles deram valor à respeito dela).
Mas o que mais me deixa fascinada neste detalhe no mundo de Marilyn é que, se observarmos seu canto em cada filme, concluímos que para cada um ele era diferente. Ela não só cantava em cena, e sim interpretava e mudava o tom de sua voz de acordo com seus personagens. Marilyn era ávida por estudo, pois queria melhorar cada vez mais seu desempenho e ser respeitada em sua profissão. E isso que observei coloca a diva reafirmada nesta questão: ela era detalhista, até quando tinha que cantar.
Podemos pegar como exemplo, o filme "Os Homens Preferem as Loiras", de 1953. Um musical que Marilyn fez ao lado de Jane Russel. A cena de abertura, "Two Girls From Littlerock" é arrebatadora de sensualidade e brincadeira, já que o filme era uma comédia-musical e Marilyn conseguia mesclar facilmente a sedutora e a ingênua. O número tem figurino belíssimo usado pelas duas, cenário simples, onde o talento da dupla Monroe-Russel já era o bastante. A presença de palco de ambas é indubitavelmente impactante e competente. O sincronismo na coreografia de Jack Cole é um must, inclusive em qualquer número de dança(quem é bailarino sabe que a limpeza é fundamental para quem assiste). O canto também é limpo, sensual e moleque nos trechos mais ágeis da canção. "Diamonds Are a Girl's Best Friend" , hoje um número icônico tanto quanto Marilyn, é mais uma vez brincadeira, sátira e sensualidade. Atenção para a pequena introdução lírica, surpreendente, com o leque na mão. Delicioso de ver e de ouvir.
Já em Nunca Fui Santa(Bus Stop), a que considero sua melhor atuação, alguns que acabam por conhecer o trabalho de Marilyn por este filme podem pensar que ela cantava mal. É que a personagem Cherry era uma menina que acreditava realmente ter um grande talento. Seu sonho era se tornar uma cantora famosa, mas a pobre coitada entretinha um bando de bêbados ignorantes num bar "pé sujo", no fim do mundo. Com isso, ninguém a ouvia, até aparecer Beau, personagem de Don Murray. Ela então ganha um fã: o rapaz, inocente e inexperiente na vida, acredita que ela é seu anjo e até seu desafinado canto lhe parece "angelical". Para este personagem, Marilyn interpretou o clássico norte-americano "That Old Black Magic" do jeito que uma péssima cantora de bar faria: desafinada, porém se sentindo Billy Holliday. Então Marilyn arriscou seu lindo canto para manter a identidade do personagem...quem pode dizer que esta moça não era inteligente e talentosa? Interessante lembrar que para compôr Cherry, Marilyn deu toques na produção em relação ao seu guarda-roupa, cor de cabelo e até no tom de sua pele. Ela disse na época, que como Cherry era uma cantora da noite, não podia estar com a pele bronzeada, então deixou de pegar sol, além de sugerir uma camada de pó mais claro do que sua cor natural. Chegou à conclusão também de que, como a personagem era pobre, ela só usaria um conjunto de roupas para sair, quando preciso. Já seu figurino de apresentação foi rasgado por sua própria sugestão, a fim de reafirmar a miséria em que Cherry vivia.
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Em Gentlemen Prefer Blondes(1953): sem dublês e em um único take. |
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Dois contrastes na carreira de Marilyn: no canto ela também se destacava. |
Há muito tempo, quando comecei a ter meu primeiro contato com a história de Norma Jean, li o livro de Donald Spoto, que considero muito bom e ele afirma que suas cenas de canto eram gravadas em um único take(tomada), diferente de suas falas como atriz, que as deixavam de pernas bambas. Acreditem que até hoje eu não consegui descobrir por que ela tinha tanto medo de entrar num estúdio? Pois é, ainda não achei esta resposta. Continuando, temos o ótimo western "The River of No Return"(1954), ao lado de Robert Mitchum. Desta vez, a personagem é a sofrida Kay, casada com um cafetão(Rory Calhoun), que vive às suas custas. A cantora de saloon é talentosa, mas seu sofrimento se reflete nas músicas que canta e na maneira que as interpreta. Na música-título, "The River of No Return", sua voz lembra uma alma perdida no rio. E parece que esta alma realmente não tem mais retorno, exatamente como na canção. No meio do caminho do rio selvagem, num intervalo da luta nas corredeiras canadenses, ela pega um violão e entoa "Down in the Meadow" para o pequeno Mark(Tommy Rettig), em tom quase de ninar, o que nos traz encantadoramente para o mundo infanto-juvenil. Em "One Silver Dollar" ela deixa Kay desabafar ao público sobre o que pensa em relação ao dinheiro e através de sua própria experiência com o amante cafetão, ela faz daquela música seu tema, sobre o sofrimento que a relação homem-dinheiro a trouxe. "One silver dollar/Bright silver dollar/Changing hands/Changing lives/Changing hearts". Um lírico lindo no meio e voilá! Maravilhoso.
Em 1957 Marilyn Monroe conseguiu dar um grande passo em sua carreira: contracenar com Laurence Olivier em sua própria companhia - A Marilyn Monroe Productions. A peça The Sleeping Prince havia sido apresentada na Inglaterra, com Olivier e sua então esposa Vivien Leigh, nos papéis principais, em 1953. Mais tarde, foi a própria Vivien que sugeriu que marilyn interpretasse seu papel no cinema, por ter gostado muito de seu desempenho em "Os Homens Preferem as Loiras", no mesmo ano em que a peça estava em cartaz. Em 57, os 3 se reuníram e, em Londres, numa coletiva de imprensa anunciaram o início das filmagens em locação, porém, como Olivier era extremamente preocupado com horários e outros detalhes de profissionalismo, os dois não se deram bem: os excessos de atrasos de marilyn já haviam virado uma constante em sua vida e os dois bateram de frente. Sua personagem era Elsie Marina, uma corista do início do século 20, que acaba fazendo companhia ao Príncipe-regente de Carpatia(Olivier), após serem pegos em Londres numa situação constrangedora(para ele). O filme seria um musical se Arthur Miller, na época casado com Marilyn, não tivesse convencido a atriz de tocar o projeto para frente como mais perto do original londrino possível. Mesmo assim ela canta uma canção -"I Found a Dream", inteiramente num lírico suave, como sua personagem Elsie e a cena pediam.
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River of No Return: One Silver Dollar |
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Cantando River of No Return |
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Cantando para Olivier "I Found a Dream" |
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Como Elsie, no filme com roteiro de Terence Rattingan |
Em "Some Like It Hot" Marilyn surge jazzística em "Running Wild" e clássica no standard americano I'm Through With Love", cuja interpretação até hoje me emociona quando vejo. Nesta música, em especial, ela está com as emoções à flor da pele: ela mergulha numa letra densa e perturbada de um amor que nunca dará certo e a belíssima música é cantada com uma afinação e personalidade únicas.
Marilyn sempre me surpreende, mesmo já tendo visto seus filmes tantas vezes. Sempre encontro coisas novas nela, principalmente pelo fato de saber que ela foi tão subjulgada pela Fox. A crítica algumas vezes a elogiava, o público a amava, mas o estúdio jamais reconheceu seu valor. Será que está aí a resposta para a pergunta lá atrás? Se você trabalha para um estúdio durante tanto tempo e sequer é considerada uma atriz, como pode ir para o trabalho sem sentimento de medo? Acho que escrevendo consegui entender melhor este conflito de Marilyn. E vocês, o que acham?